A época de entregar o IRS está oficialmente aberta.
Para muitas pessoas, é um momento desejado no ano, pois muitos estão habituados a receber o reembolso e a usar o valor para pagar algumas despesas específicas, geralmente pagar IMI, inspeção do carro ou até saldar algumas dívidas.
Mas chegado este ano e parece que as pessoas estão um pouco insatisfeitas com esta época.
Isto porque os reembolsos de IRS estão a ser mais magros do que costumam ser. E o povo pensa: estou a pagar mais impostos?
Vamos ver o que se passa. Recua uns meses.
Nesta newsletter, avisei-te que ias receber mais dinheiro em setembro e outubro.
E nesse mesmo artigo escrevi:
Tal como mencionado pela SIC Notícias2 não vais ser aumentado, vais é descontar menos e só afeta alguns trabalhadores, já que quem ganha o salário mínimo não vai sentir esta medida.
A verdade é que o IRS tem muito que se diga, se estás a entregar menos ao Estado (ficando com mais na conta bancária), em abril do próximo ano, quando fores ajustar contas, é possível que recebas menos reembolso ou até tenhas de pagar IRS. Isto não há almoços grátis!
Por isso é que neste momento podes usar o dinheiro de forma “responsável”.
Chegados a abril, o que está a acontecer? No ajuste de contas, ou vais ter um reembolso menor ou vais ter de pagar alguns euros este ano.
Não, não sou vidente. Simplesmente tenho literacia financeira. Como Portugal continua com níveis baixos de literacia financeira quando comparado com outros países europeus, todos os anos a mesma conversa aparece.
Se de um lado damos mais liquidez todos os meses, as pessoas ficam chateadas porque “sempre” recebiam 400 euros de reembolso e este ano “só recebem” 50 euros. Se amanhã os reembolsos do IRS passassem a ser neutros, as pessoas iam sentir que estamos a pagar “mais” impostos. Que antes recebiam e agora não recebem. Estamos presos entre “a falácia dos reembolsos ou o paternalismo de Estado”, como este artigo de opinião menciona.
Há duas ideias que te gostava de passar
Ideia 1: se fizeres descontos todos os meses, em abril, tu não pagas IRS; tu pagas IRS todos os meses do ano anterior.
Ideia 2: em abril tu não recebes IRS, é-te devolvido dinheiro que já adiantaste meses atrás.
O que mencionei o ano passado mantém-se: pagar IRS não tem mal nenhum.
Simplesmente indica que não foste adiantando valor suficiente no ano passado e em abril quando vais fazer contas com o Estado estás a dever. Isto acontece geralmente a trabalhadores independentes (recibos verdes) que, não fazendo retenção na fonte, quando chega a abril, têm de pagar valores elevados.
Se te parece ainda confuso, vou-te contar a história de um jantar com quatro amigos.
Três deles chegam ao restaurante. Não sabem quanto é que a refeição vai custar, e fazem um acordo. Cada um põe uma nota de 20 euros na mesa e no final fazemos contas.
O quarto amigo - o Rui - chega uns minutos depois, ouve o acordo, abre a carteira e vê que só tem uma nota de 10. Põe a nota na mesa e diz “depois fazemos contas”.
Os amigos comem, bebem, conversam.
A conta vem. Vão dividir por quatro. Cabe a cada um pagar 11 euros.
Os três amigos que adiantaram 20 euros recebem 9 euros cada um.
Já o Rui descobre que tem de por mais um euro.
Questões:
O Rui pagou mais do que os amigos, porque teve de adiantar mais um euro do que o início do jantar?
Os três amigos pagaram menos pelo jantar, porque no final receberam dinheiro?
Não e não. Todos pagaram o mesmo.
Pensa no IRS como o jantar de amigos
Pegando na história, lembra-te que cada comportamento vai ter um resultado:
Quem faz retenção → está a adiantar dinheiro para pagar o jantar.
Quem não faz retenção → só vai pagar a despesa no final.
Quem faz retenção E recebe um reembolso grande → possivelmente adiantou mais dinheiro do que seria necessário (e o Estado usou esse dinheiro para funcionar ao longo do ano). É o caso dos amigos que colocaram a nota de 20 euros.
Quem faz retenção E recebeu 0 euros → adiantou exactamente o valor que era estritamente necessário → a chamada eficiência fiscal. É o caso de um amigo que teria adiantado precisamente 11 euros para pagar o jantar, ficou tudo saldado.
Quem faz retenção E pagou dez euros OU recebeu dez euros → possivelmente adiantou um valor muito próximo do que era estritamente necessário, faltaram apenas dez euros (no caso de pagar) ou o Estado ficou com uns euros a mais durante o ano anterior (no caso de receber). No caso do Rui, ele pagou só mais um euro, ou seja, adiantou um valor muito próximo do que era necessário.
Quem faz retenção E pagou 200 euros → possivelmente não adiantou o suficiente nos meses anteriores e agora tem de pagar o que é necessário. É como se o Rui estimasse que o jantar seriam apenas 6 euros e afinal foram 11.
Com estes princípios, entendo que o melhor dos dois mundos era receber 0 euros. Em alternativa, pagar ou receber muito pouco, no máximo 100 euros.
O grande desafio é que para tal acontecer, os portugueses têm de planear a sua vida financeira de outra forma.
Atualmente, há quem planeie receber umas centenas de euros em abril e pensa no resto do ano com esse “bónus”. Se os reembolsos forem mais pequenos, então as pessoas terão de deixar de contar com esse valor e fazerem um planeamento diferente. A verdade é que, sendo o reembolso maior, é provável que haja mais liquidez mensal.
É uma transformação que pode doer a quem se organiza desta forma. Porém, esta mudança pode mostrar que estamos a ganhar literacia financeira. Porque o reembolso do IRS não é a altura em que pagas os teus impostos. É a altura em que o contribuinte e o Estado acertam contas.
Quando recebes centenas de euros, quer dizer que o Estado ficou com esse dinheiro e agora está-te a devolver. Quando esse reembolso desce, eu diria que o Estado está a estimar melhor quanto dinheiro é que precisas de adiantar, todos os meses. Se a estimativa é cada vez mais certeira, quer dizer que adiantas menos dinheiro mensal + ficas com mais dinheiro para ti todos os meses + o ajuste de contas em abril é mais célere.
No fundo, esta relação tem de melhorar: o Estado deve ter o necessário para funcionar e tu ganhas a oportunidade de ter mais para gerir todos os meses.
Para o ano tentamos novamente.
Adorei a metáfora do jantar de amigos!