O tópico mais falado de 2023, para além da inflação, é a crise na habitação.
Com a subida das taxas de juro, quem tem um crédito habitação com taxas variáveis, (que é só tipo quase todos os portugueses!), viu a sua prestação aumentar 50, 100 e até em alguns casos 200 euros.
Para travar a inflação, o Banco Central Europeu (BCE) começou a aumentar as taxas de juro de forma semanal, passando de taxas de juro negativas para 5%, em menos de 12 meses.
Para os portugueses, isto é um pesadelo.
Foi um balde de água fria depois de anos de taxas de juro negativas. Contudo, não podemos confundir a excepção com a regra.
Assim, era expectável que a prestação da casa subisse - só que de forma mais moderada e ao longo do tempo, não num espaço curto. Cada família tem de encontrar soluções para pagar um valor mais elevados nos próximos meses, assim que as atualizações acontecerem.
Face a este cenário, o Governo criou vários apoios: os famosos 125 euros transferidos para a conta bancária, a campanha de IVA Zero nos bens essenciais e a não cobrança de comissões em casos de amortização antecipada do crédito habitação (para quem tem contratos com taxa variável).
Ao lado, o problema não era só pagar mais crédito habitação é não ter capacidade para comprar as casas cada vez mais caras, por várias razões. A falta de oferta, o aumento de custos de vida, a valorização do imobiliário, a estagnação dos salários e a dificuldade de aceder a crédito (porque agora é mais caro pagar uma prestação da casa).
Continuando a ajudar as famílias, o Governo avançou com a recente medida de mexer na taxa de esforço.
O Banco de Portugal anunciou que vai aliviar o cálculo da taxa de esforço que os bancos têm de avaliar para concederem crédito.
Quando pedes um crédito habitação, tens de passar documentos tais como declaração de IRS, recibos de vencimento, extratos bancários. Com estes dados, os bancos analisam se tens viabilidade de pedir um empréstimo de determinado valor.
Além disso, fazem os testes de stress. Num cenário em que a taxa de juro tem um aumento de 3%, calcula-se a tua nova prestação mensal e vê-se se tens rendimento para pagar.
Quando as taxas de juro estavam negativas, o cenário A era taxa de juro 0 e o cenário B era taxa de juro 0+ 3%.
Atualmente, se a taxa de juro está nos 2%, o cenário B passa a ser 5%, e isto pode inviabilizar muitas famílias de obter um crédito habitação.
Assim, esta nova medida serve para considerar um aumento adicional da taxa de juro de 1,5%, em vez de 3%. Ajudamos assim as famílias a não serem penalizadas.
Tal pode ser boas notícias para muitos que tentam comprar casa e as contas dos bancos não estavam a facilitar.
Contudo, estas medidas devem ser levadas com cautela.
O Rui Bairrada, CEO do Doutor Finanças, explora neste artigo o mesmo pensamento que eu: as medidas devem ser bem vindas e ao mesmo tempo não podemos esquecer a baixa literacia financeira dos portugueses.
O
, que escreve semanalmente o 100 mesada, partilhou que somos os “primeiros dos últimos”, quando se trata de literacia financeira.Tomar medidas para ajudar as pessoas explicando o que muda, mas não explicando o que não muda, pode levar pessoas com menos conhecimentos a tomar decisões apressadas sem reflectir sobre o tema.
Tal como avança o Rui, é urgente rever regras antigas para ajudar as famílias a comprar a casa que querem e de que precisam; e ao mesmo tempo, temos de entender a população que temos:
Nos últimos anos, foram muitas as famílias que contrataram um crédito sem saberem que os juros estavam em níveis historicamente baixos e que no mundo “ideal” eles nunca estariam negativos.
Enquanto não for claro para a generalidade das pessoas quais são os riscos que correm quando contratam produtos financeiros (sejam eles de que natureza forem), será determinante mantermos os cintos de segurança bem apertados. Contudo, não podemos cair no extremo de apertarmos de tal forma o cinto que esmagamos o passageiro.
Disclaimer: sou fã do Doutor Finanças e trabalhei lá entre 2018 e 2021. Conheço a missão e mensagem muito bem e concordo com todas as palavras escritas no artigo do Rui Bairrada, no Expresso, partilhado nesta newsletter.
Resumindo: medidas para ajudar famílias não retiram a necessidade urgente de investir na literacia financeira.
Eu própria tive dúvidas quando fiz o meu crédito habitação e até tenho bons conhecimento. Outras pessoas podem não os ter.
Vou-te contar uma história e lembro-me como se fossem ontem.
Quando os juros começaram a subir, uma pessoa foi entrevistada e disse aos media que os bancos não avisavam que a prestação pode subir.
Imediatamente lembrei-me do momento em que fui pedir o meu crédito habitação e recebi uma FINE (Ficha de Informação Normalizada Europeia), um documento com 30 páginas.
Era demasiada informação é certo, e os termos são muito confusos. Porém, era a compra mais cara da minha vida, por isso quis ler os pontos importantes.
Numa das páginas, aparece uma tabela com uma simulação das prestações a pagar todos os meses durante o contrato. No final lia-se qualquer coisa como: “Se a taxa Euribor chegar aos valor de 5% como chegou no ano de 2008, a sua prestação passará para 900 euros, veja se tem capacidade de pagar”.
Será que lemos estas letrinhas? Não lemos. Porque comprar casa é um processo extremamente emocional e só queremos ouvir que o crédito está aprovado. Vimos quanto vamos pagar por mês e está bom, esquecendo totalmente que os juros negativos são a excepção
à regra, não a regra.
Cada história é uma história, com as suas nuances e interpretações de cada um. Para mim mostrou-me que há um desconhecimento brutal de questões financeiras.
Por isso é ainda mais relevante a cada medida para ajudar os portugueses, criar uma outra medida para ajudar a aumentar os níveis de literacia financeira.
O que achas da medida da taxa de esforço? E da baixa literacia financeira em Portugal? Coloca nos comentários 👇
Excelente artigo, parabéns.